Radio Fusion

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A Igreja de Nossa Senhora das Necessidades

     História - Povo Novo    

      Em um primeiro momento, se faz necessária a contextualização histórica do período na qual surge a Igreja do Povo Novo. Sua essência da ação catequizadora na região está demarcada sob dois pontos fundamentais: O povoado de pequenos lavradores portugueses surge durante a invasão espanhola no Rio Grande de São Pedro entre 1763 a 1776 e o assentamento estava localizado à margem da Estrada Real da Palma, onde os espanhóis colocaram parte dos colonos portugueses que não conseguiram retirar-se ante a invasão. Carreiros, Paulista e Mangueira foram os outros núcleos para assentarem portugueses sem condições de fuga ou por escolha, decidiram permanecer em Rio Grande. Fortes também realça essa possibilidade, afirmando “[...] que em conseqüência da invasão alguns teriam ficado em suas terras na vila do Rio Grande; outros fugiram para Santa Catarina e que a maior parte teria acompanhado o governador Elói de Madureira em seu êxodo para Viamão”
      Assim sendo o núcleo da Torutama, que já existia anteriormente, a Fazenda Real na ilha da Torutama, recebeu a maior parte das famílias portuguesas, formando o Pueblo Nuevo del Torutama nas terras pertencentes a Manoel Fernandes Vieira, que se retirou durante o domínio espanhol.
     Quando da restauração das terras portuguesas, o antigo proprietário retoma a sua área, originárias estas das primeiras doações de sesmarias na região, as 112 famílias de lavradores e criadores são transferidos para o Rincão d’El Rey, a área hoje compreendida pelo atual distrito. Desenhava-se assim um novo processo de firmação fundiária e social quanto ao domínio português pós- tratado de Santo Idelfonso de 1776, ao menos nesta região.
     Com a mudança, no ano de 1777, “[...] mais tarde alguns destes portugueses e outras famílias foram habitar o novo lugar duas léguas distantes, e aí edificaram uma casa para celebrar missa [...] ”
     Regularizou-se a posse terra a moradores que possuíam títulos e animais – eram 91 – e também os que não tinham a posse de terra durante a invasão, somando 47 proprietários , mas não fora uma ação imediata este processo de estabilização. Miséria, caos e indefinições marcaram o período de estruturação da povoado, quando somente em 1785 os proprietários regularizaram suas propriedades com doações de terras pela Coroa Portuguesa. As datas de terra prometidas (1 data=272hectares) viraram para a maioria pequenas áreas que raramente ultrapassavam os 10 hectares, verdadeiros minifúndios com assentamentos demorados e quando instalados as pressões por parte dos latifundiários, também com doações de sesmaria ((equivalente a 13.000 hectares), “fizeram-nos e, não por exceção, abandonar terras ou pagar pelas que legalmente lhe pertenciam por doação governamental. ”
     Por Provisão Eclesiástica de 07/02/1785, cria-se a Capela Curada de Nossa Senhora das Necessidades do Povo Novo, tendo como capelão o Padre Manoel dos Santos Rezende, nomeado em 05/12/1785.
     Os Livros de assento de Batismo, livres ou de escravos, de Casamento e Óbitos começam em 1792 e estão na Mitra Diocesana em Rio Grande. Em 1795 foi elevada a Curato dependente da Matriz do Rio Grande, a Igreja de São Pedro. Por lei da Assembléia Provincial de 06/05/1846, lei nº 35, Povo Novo é elevado a Paróquia, criando assim a Freguesia do Povo Novo. Estivera pregando no local o padre jesuíta Tiago Villarupia e o primeiro pároco nomeado foi em abril de 1847, Raimundo Tarrago .
      Nesse sentido é importante citar o único padre colado, o padre Estevão de Semiglia, nomeado em 27/10/1856, sendo apresentado por decreto do governo em 25/02/1865 e confirmada canonicamente a 4/3/1865 por D. Sebastião Dias Laranjeira, que criara a Vara Eclesiástica em junho de 1863, segundo Rupert, que acompanhou a trajetória da presença de vigários encomendados na Igreja até o surgimento da República.
     O desenvolvimento viria em um primeiro ciclo com a cultura do trigo. Assim ficou demarcado a opulência econômica no final da década de 1780 com o plantio de 7.472 hectares de trigo no Povo Novo a sua retração da cultura nos campos a partir das primeiras décadas dos anos oitocentos. Aos poucos a produção de bois para as charqueadas em Pelotas e culturas de subsistência voltadas para o abastecimento da Vila do Rio Grande, identificavam igualmente o modelo produtivo característico desenvolvido pela Província desaparecendo a produção em larga escala da cultura. Assim desenvolvia a Freguesia. Negros cativos em uma população equivalente a 40% do universo de moradores, açorianos e seus descendentes e os grandes proprietários de terras, formariam um mosaico cultural e social muito mais próximos da exuberante Pelotas do que Rio Grande.
     Em 12/12/1913, a capela deixou de ser a sede da Paróquia, sendo esta transferida pelo Bispo de Pelotas para a Igreja de Nossa Senhora da Penha, no nascente distrito de Julio de Castilhos, hoje Vila da Quinta.
   Quanto às reformas solicitadas, e isto não significa inserções arquitetônica no mesmo período, cita-se na ata da Câmara Municipal do Rio Grande em 13/02/1856, que a Igreja precisava ser reformada, pois o “telhado estava arriado, imagens defeituosas e precisando de 5 banquetas completas para os 5 altares” e a reclamação que os 6 contos de réis decretados pela Assembléia Provincial ainda não havia chegado. Já no ano de 1878, forma-se uma comissão na povoação para novos melhoramentos na Igreja das Necessidades. È bem provável que pequenas obras tenham sido feitas, o que no trabalho desenvolvido não é pesquisado, no começo do século XX, mas efetivamente o que se tem de noticias é do ano de 1958 quando ocorre o tombamento lateral e a cobertura, menos a fachada, sendo reconstruída a Igreja, obedecendo, segundo entrevistas com antigos moradores, o mesmo estilo e tipificação arquitetônica.

Bibliografia

Manoel H. de Couto e Rey - Carta Coreográfica que compreende a Barra de Rio Grande de S. Pedro e terrenos que medeiam entre a Freguesia do Estreito, o arroio de Taim e Campos de Piratini. Cópia - Centro de Documentação Histórica – FURG.



QUEIROZ. Maria Bertulinne. A Vila do Rio Grande de São Pedro 1737 -1822. Rio Grande: FURG, 1987


FORTES. João Borges. Os casais açorianos: presença lusa na formação do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro, 3ª edição, 1999. P. 98


DIAS LOPES. Pe. Acediago Vicente Zeferino. Notas sobre a história eclesiástica no Rio Grande do Sul – 1737-1891- p. 97/98. Arquivo Cúria Metropolitana – Porto Alegre


Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul – Registro de Sesmarias - Livro 1/2/3


COPSTEIN. Raphael. O Trigo no continente de São Pedro. IN: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, nº 132, Porto Alegre, 1998. p. 29 a 92


RUPERT. Arlindo. História da Igreja no Rio Grande do Sul. EST Editora. Vol.III – Curatos do tempo colonial que se tornaram paróquias, p. 69/70


COPSTEIN. Raphael. O Trigo no continente de São Pedro. IN: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, nº 132, Porto Alegre, 1998. p. 62


Mappa de Listas de Família: 1.328 livres, 19 libertos, 719 escravos – Ano de 1858 – Igreja Nossa Senhora das Necessidades – AHGRS.


Primeiro Lustro da Diocese de Pelotas. 1911- 1916. Cúria Diocessana - Pelotas

Raizes Negras do Jazz - Povo Novo

       
      O blues chegou com o escravo na América inglesa. Já o atabaque rugia seus sons africanos em rituais religiosos dos candomblés com o negro cativo no centro e nordeste do Brasil. Não tínhamos aqui uma expressão vocal definida, somente lamentos, desabafos e dores entranhadas nos longos anos de opressão.   
                                    *Parte pesquisa sobre o negro rural em Rio Grande

     Nossos sons eram diferentes, cadenciados em corpos marcados a rodear no mundo oculto da senzala. O negro era uma peça de trabalho, ferramenta cara para seus senhores. Mercadoria que vendia ou comprava-se, moeda de troca, garantias hipotecárias e bens “moventes” inventariados que chegavam a 25% do valor patrimonial da família. Nos batismo de filhos de escravos, até o Livro de Assentos da Igreja era separado. Não assinalavam sua origem e quase nunca constava o nome do pai, mas indispensável o registro do dono da escrava. Criavam-se, assim, ao gosto dos cantares tristes e do sonho distante da liberdade. O Código de Posturas de qualquer Freguesia aqui em nossa volta impunha artigos e capítulos nos quais quase tudo lhes era proibido. A dança e a música eram vigiadas, pois poderiam conter elementos secretos de pretensas sublevações, e este era o medo do mundo senhorial.
    Em 1850, o tráfico foi proibido e, no Povo Novo, havia mais de mil negros cativos espalhados pelos campos da Freguesia. Nas festas religiosas, ali, sim, era consentido o uso do banjo (banjor africano), a rabeca ou rústica gaita de boca. Em 1858, a Freguesia do Povo Novo, criado por ato de 1846, tinha uma população de 2.066 pessoas, sendo 1328 livres, 19 libertos e 719 negros cativos.
    Nas festas religiosas, o desfile da sociedade local. Misturados na grande praça, escravos, negros alforriados, peões em trânsito ou descendentes miseráveis de índios que formatariam caracteres da nossa hereditariedade. Não era uma ostentação de luxo como nos grandes centros, mas nestes dias festivos, era uma das poucas oportunidades em que se podia mostrar a riqueza medida pela aparência e não pela quantidade de terras, bois ou escravos. A abolição seria, enfim, decretada, mas ficava viva a herança dos sons afros e da miscigenação musical de influência europeia. Acredito que ainda não estudamos em Rio Grande a música negra desde a virada dos anos de 1900 e nem a influência do jazz nos conjuntos ou sobre os músicos advindos deste período. Quando conheci o Ivaci (Ivaci Pereira Cardoso) – ele era de 1923 – a arte e a música embalaram nossa longa e única tarde de conversa há seis anos passados. Músico do Povo Novo, há mais de ano que ele não tinha vontade ou condições físicas para entoar seus encantos musicais. Ofereceu-me antigas composições que ele, seus irmãos, sobrinhos e cunhado tocavam nos bailes. Achava péssimas as construções musicais atuais – São fracas? Perguntei a ele. Fez-se silêncio na sala. Com voz tênue, macia e cansada, como a procurar a medida certa para a resposta, “são fracos os executantes”. Nem tive a ousadia de falar em tecnologia digital ou instrumentos computadorizados. Ele já tinha criado seu primeiro grupo, o Choro Futurista, quando foi estudar música com Mario Constantino, mestre no Colégio Salesiano em meados dos anos 50. Ivacir tinha, então, 30 anos, casado, pai de três filhos e vivia da plantação de cebola no Banhado Silveira.
    Outra paixão era o futebol. Fundou o Clube União do Arraial que manteve em atividades por 23 anos. Mas é da música que ele gostava de falar. Dizia que vinha do sangue, do sangue negro dos seus ancestrais. Dos avôs, materno e paterno, só um deles não fora escravo no Povo Novo. Disse-me que nunca faltou espaço por ser negro nos clubes em que animava as festas, nem no Esperança do Povo Novo ou na Sociedade e Instrução da Quinta, ambos representativos da outrora elite rural e de cunho “reservado” quanto à presença de negros em seu interior. Nunca notou preconceitos nas turnês musicais ou futebolísticas, mas coube ao nosso mestre a fundação da Sociedade “Disfarce e Olhe” somente para negros no Povo Novo ou o União ser formado essencialmente por jogadores negros. Otacílio Gambetá, músico da “Jazz Band Grupo dos 15!”, com sua Sociedade, também só para negros na Vila da Quinta, tornou célebre, no baile de inauguração, o discurso quando disse: “… essa sociedade não tem estatuto, cada membro é um estatuto vivo”. Nesses bailes de negros, os brancos não dançavam.
    Ivaci sempre foi o idealizador do Grupo. Primeiro foi o Choro Futurista, depois passou para o Grupo Jazz Brasília, em homenagem à inauguração da nova capital federal e, depois, o Jazz Brasil com o tricampeonato de futebol no México e último nome, já nos anos 80, a Banda Brasil.
    O repertório, mas sofisticado, que tinha uma composição mais harmônica em relação às animações de bailes de carnavais ou participações em festas religiosas, variavam entre marchas, valsas, boleros, tangos e maxixe. O maxixe funde-se ao ritmo da dança afro-cubana, habanera, e o sincopado da música afro-brasileira. Não falta a polca, o passe-dob ou o fox-trot.
    Com a morte do Ivaci, nossa expressão musical ou o que havia de melhor dos ritmos da cultura negra musical no interior, agora silenciam. Ficou um vazio, murmúrios da nossa inconsistência em não saber, ainda, preservar nossa memória. E as partituras musicais, valem pouco, seu Ivaci? “Nem mil réis seu moço”. Foi assim que nos despedimos no único encontro que tivemos e o sax da parede, está à venda ou já foi vendido pelos herdeiros.

*Historiador – Associação Cultural Estação Quinta

Nomes e Lugares do interior

Nomes e Lugares

Uma viagem ao interior de Rio Grande

    Uma pequena localidade constitui uma unidade de espaço e tempo, um espaço identificado com suas silhuetas e planos inacabados. Espaço de memória, construção do olhar sobre uma paisagem que pouco nos pertence.

    Vila da Quinta é um nome interessante. Temos a sensação que ela homenageia um dia da semana, mas não é. È uma Quinta mais simbólica que se arrastou no tempo e no nosso caso, vem das origens lusas das quintas, local de plantio de frutíferas e verduras. Em 1882 com a chegada do trem, a Estação adotou o nome Quinta, do velho quartel militar da Quinta do Cap. Mor desde os anos de 1778, no inicio do caminho que segue para o Taim. Em 1909 com o distrito desmembrado do Povo Novo, mudaram para Julio de Castilhos. Não pegou. Nós gostamos do nome Quinta, e agora? O que preocupa é o nome Vila. Parece que nascemos para ser um vilarejo, mas não faz mal. O Povo Novo é mais antigo e não tem esse complexo. Ele nasceu Pueblo Nuevo del Torotama durante a invasão espanhola em 1763 e somente em 1776 com a retomada dos portugueses passa a ser o nosso Povo Novo. È um nome bonito e por mais que seja para lá de bicentenário, não ficou velho com o passar do tempo. Em seu entorno, múltiplos lugares, referências de um passado de ocupação ainda no século 19. Uns se perderam no tempo, outros resistem, mesmo que nos mapas atuais eles não apareçam. Tem um lugar incomum chamado Alegrias, sentimento nobre em tempo de carrancas mal humoradas. Já o Capão Seco é uma nesga de terra circundada pelo constante encharco dos banhados. Pode ser até incoerência, mas faz parte das relações geográficas estabelecidas a dezenas de anos na qual as pessoas simplificavam o espaço de conviver e o de reproduzir.
    Tudo bem, nada contra o Barro Vermelho, pior é se inventassem outra cor, embora vermelho, vermelhão mesmo não encontrei por lá. Gosto dos nossos nomes porque eles são autênticos. Quase todos passaram dos 100 anos e não herdaram aqueles sufixos ordinários tipo de lugares que terminam em “lândia”. Já imaginaram a Palma ser chamada de Palmalândia? Ridículo. Deixa assim. A estrada da Palma, antigo caminho ao sul já existe a 200 anos e soa bonito, um alegre sonoro dissílabo em vogal aberta.
    Interessante e desconhecidos são os nomes próprio que adotamos. As mulheres tiveram pouco espaço e só a Quitéria foi homenageada. Ela existiu lá pelos anos de oitocentos. Nomes de homens é a maioria e nada de estrangeiro. Nós temos a ilha que foi do Leonidio. Belo sujeito esse. A ilha que foi do pai dele, o Cap. Machadinho, ficou para ele. Quem pode é assim. Outro lugar é o Corredor dos Pinheiros, que todos chamam dos Pinheiros. Não. Não é a arvore que é agraciada, mas o Joca Pinheiro, político e delegado lá nas primeiras décadas de 1900. Domingos Petroline é outro local masculino assim como a estrada do Guamaz. Será que existe a família deste povoador no Povo Novo?
    È claro que não faltaria os aspectos também característicos da geografia nos nomes. O Banhado do Silveira. Tudo bem; A terra era dele, ganhou um pedaço de sesmaria e pronto. Ficou seu nome para sempre. Nomes indígenas foram escassos. O Taim é um caso, que significa “terra de um dente” em mybia guarani e os vestígios arqueológicos é o que não faltam em nossa região, com datações variáveis entre 300 a 800 anos passados. Nomes de santos nunca foi o nosso forte e outros nomes surgiram sem a autorização do homenageado: Lagoa do Jacaré. Nome pomposo, forte e não é uma lagoinha qualquer.
    Nomes simples, do nosso jeito e da velha estirpe portuguesa. Nunca foram estudados e são lembranças dos mais antigos e que se popularizaram através dos tempos. Ainda resistem em poucos mapas e outros citados nos documentos em registros cartoriais dos campos ou inventários do século passado. Muitos são memórias vivas, referências dos nossos lugares e identidades de um povo, mesmo que nem seja percebido no cotidiano das pessoas.

domingo, 5 de setembro de 2010

Brasilia - Feliz aniversário



Brasilia, 50 anos


    Definir o nascimento de Brasilia como uma inspiração mística, não chega a ser um exagero. São João Bosco anunciava sua construção no coração do país, demarcando até mesmo os 15º de latitude sul. José Bonifácio, o patriarca da Independência, tinha o projeto de levar a capital do Império para um “sitio sadio, ameno e fértil” no interior do país. Na República e sua primeira Constituição de 1891, nas Disposições Preliminares, Art. 3º, cita que no planalto central da República, ficará pertencendo a União uma zona de 14.400km que será demarcada para nela estabelecer a futura capital federal. Mas a ideia não recebera entusiastas ao longo do tempo. A inspiração romanceada de uma metrópole no meio do nada, não seduzia os governantes. Foi com Juscelino Kubitshek que construir Brasilia tornou-se uma prioridade. Alinhavada no eixo pragmático de seu Plano de Metas, comporia uma visão de urbanismo, arquitetura diferenciada e original. Para Oscar Niemeyer, seriam formas novas que surpreendessem pela sua leveza e liberdade de criação e para integrar a nova capital federal ao país, rasgaram-se a quatro direções os caminhos que chegariam à Brasilia, que fugiria das pressões das massas do Rio de Janeiro, mas jamais poderia ficar isolada no meio do Planalto Central.

    Pioneiros e desbravadores propunham um novo estágio baseado no sonho da integração e na posse do interior brasileiro e que, no processo de modernização, viria um novo projeto nacional longe dos encantos do mar. Brasilia tinha essa essência e ela, na verdade é a encarnação da História do Brasil, com suas virtudes e mazelas, modernismo puxado pelo coronelismo e seus métodos excludentes. Dos extensos latifúndios de ontem, assumem os grileiros de hoje amaciados em escrituras de fé pública e duvidosas e nisso, Brasilia é imbatível.

    Os velhos udenistas ainda rugiam até o golpe do governador Arruda, mas a análise do que ocorre na capital federal é complexo. Corruptos e corruptores, onde os negócios do Estado são para fins privados, demarcam quase que historicamente, nossa relação com a politica. As elites brasilienses, além da criatividade em abocanhar gordas fatias das divisas transferidas pela União, solaparam dos cofres públicos arranjos e dinheiro oriundos de contratos de limpeza, transporte urbano, processamento de dados e com os projetos de urbanização, entre outras especiarias do mercado político e que aqui no atacado as coisas não são diferentes.

    O mensalão e a politica do governador Arruda parecem, pela dimensão dos fatos, coisa nova, mas não são. São pragas contaminantes da política brasileira, arranjam parcerias e conveniências partidárias pelas demais unidades da federação.

    Assim é Brasilia e o sonho de seu criador, Juscelino Kubitshek, onde os palácios seriam, segundo Niemeyer, “como que suspensos, leves e brancos, nas noites sem fim do Planalto”, mas que aos poucos tornou-se um símbolo amargo do desencanto da politica. Brasilia é a nossa menina de 50 anos, mas herdou todos os vícios possíveis do DNA corporativo do estado brasileiro.

A primeira aula pública na Vila da Quinta

      Educação distrital - 1


     Em 1889, com a instituição da República, o pais começaria a mudar sua estrutura politica e econômica.A chegada do colono e a pré-industrialização contribuíram para e retomada, mesmo que ainda frágeis, de um ensino voltado as necessidades de um pais e suas perspectivas de futuro, diante de um quadro de analfabetismo que superava a marca de 70%.

    A educação distrital constitui-se de certa forma, com as ações do governo republicano pelas novas tendências e oportunidades do conhecimento.

    Em Rio Grande, a aula pública foi criada em 14/01/1820 e no meio rural, através da lei nº 44 de 12/05/1846, na Freguesia do Povo Novo. Na Ilha dos Marinheiros, a primeira aula para o sexo feminino foi em 25/10/1831. No Taim, a educação chegaria em 05/05/1873 e na Ilha da Torotama em 1879. Nesse período a povoação da Quinta não existia, e nos povoados do interior ou nas fazendas de criação de gado, a maioria não conhecia o alfabeto.

    O modelo econômico estava baseado na produção pecuária e com nível de desenvolvimento que não exigia uma capacitação maior ou tecnicamente desenvolvida pelos trabalhadores assalariados, justificando assim, o baixo investimento intelectual.

    A pequena povoação da Quinta se inseriu no mundo do conhecimento quando em 1899 surgiu a Aula Pública de 1ª Entrância, com a Professora Antonia Albuquerque para o sexo feminino e com o Professor Rodolfo Orfino com aulas para o sexo masculino.

    Em 1909, a Professora da Estação Quinta, Maria Iveta de Araújo, veio transferida de Herval com
sua irmã,Maria Lilia de Araújo, que foi lecionar em Rio Grande. A professora Lilia, que casara com o Capitão Frutuoso das Neves, fazendeiro no Taim, passava as férias na Quinta e teve dois de seus filhos aqui na Vila. Lilia Neves, nome usado após seu casamento, foi professora no Bibiano de Almeida e no Juvenal Miller, e somente nas férias dava aulas de ajuda ou ensinava música e piano para crianças aqui da Vila, vindo a falecer em 07/03/1922, com 45 anos.

    Em 1915 surgia a Escola Agrícola da Quinta, sob a direção dos padres josefinos (Ordem de São José de Murialdo) estabelecida até 1922. Após, a administração da Escola ficou na responsabilidade do professor José Antonio Martins Carneiro e da professora Olga Mendonça, sua esposa, durando até 1926. Crise interna, intromissão politica, afastamento dos professores e o fechamento da escola, reabrindo somente em 1927 como Escola Municipal da Quinta, tendo como regente a professora Julieta de Melo Azambuja. Nesta mesma escola, em 1939 foi colocado o nome de Lilia Neves.

    Trazia no bojo pequenas alterações e adaptações do currículo, oriundas das reformas educacionais do Estado ou do Governo Federal e neste sentido, o “Grupo Escolar Lilia Neves” começaria sua trajetória na formação e educação no 5º distrito. Houve a troca do prédio, pois a infraestrutura antiga desabou e mais tarde o prédio de madeira incendiou e sendo que o atual prédio é de 1961.

Vila da Quinta - Sintese Histórica


VILA DA QUINTA

UM SÉCULO DE HISTÓRIA – 1909/2009

    No mapa de Cano e Olmilla de 1777, a área correspondente ao atual distrito, já consta a denominação ‘Quinta do Cap. Mor’. Segundo consta a tradição oral, a origem do nome Quinta vem de uma enorme quinta de árvores frutíferas de uma residência que existia na estrada que segue para o Taim. Tratava-se de uma grande casa em estilo colonial com 12 peças, aberturas com para-peito em granito, com vestígios de mármore e na entrada, um vasto portão em forma de arco. O antigo casarão desabou a mais de 20 anos. Seu estilo arquitetônico e os materiais utilizados nos remetem aos padrões de construções dos meados do século XIX.
    A quinta do Capitão Mor, quartel, local de moradia e feições militares/administrativa, fazia parte naquele de um sistema de ocupação territorial baseada nas antigas sesmarias – modelo de concessões de terras – variando entre 10 a 13 mil hectares – da Coroa Portuguesa para a ocupação e proteção de seus limites. Todos os campos do Povo Novo, Torotama e Taim estão relacionados ao nosso inicio do povoamento pelo homem europeu, firmando assim, a posse definitiva do território sul.
    A geografia dos campos da Quinta esfacela-se ao longo do tempo com as contínuas divisões, vendas permutas e heranças. No inventário de Sebastião José Castanheira de 1862, a área que lhe pertencia, foi dividida em nove partes para os seus herdeiros. De acordo com as escrituras, na página 11 do inventário cita: “ huma horta de arvoredo de fructas por um conto de réis – lugar denominado Quinta.”
    As significativas mudanças estruturais viriam mais tarde, com o levantamento do traçado topográfico da futura estrada de ferro. Delineava-se em 02 de dezembro, com a inauguração da Estação Férrea, um novo capítulo da organização urbana do futuro distrito. O então povoado de escassas residências adotava o nome de Estação Quinta. Agora não seria mais uma moradia de caráter militarizado com suas árvores frutíferas o referencial histórico do nome herdado, mas sim, um suntuoso prédio de alvenaria e telhas de zinco que, no trajeto ferroviário, seria um ponto de parada estratégico e obrigatório aos caminhos do sul.

    Com a proclamação da República em 1889 e a Constituição de 1891, esperava-se uma verdadeira revolução democrática no país, o que acabou não acontecendo. Sem a participação popular e que desconhecia os novos ventos do regime, a política exercida na jovem República estava enclausurada ainda nos moldes monárquicos. Mulheres, analfabetos e menores de 21 anos não votavam. Em compensação, um imenso eleitorado fantasma desfilava nas urnas do país inteiro. Esse domínio a arbitrariedades diversas ao longo da República Velha tinha por base uma extensa rede de relações, cujo ponto inicial estava na estrutura agrária, no latifúndio monocultor, na grande estância e na dependência entre trabalhadores e peões com os grandes fazendeiros e senhores de terras.
    Era a representação eleitoral manobrada pelo coronelismo e pelos currais eleitorais que garantiram um longo sucesso ao regime. O Rio Grande do Sul não era exceção na geografia política do país, nem mesmo os pequenos povoados e seus chefes políticos. A incipiente Estação Quinta contribuía com seus coronéis nessa ordem dominante através de apoio logístico, sustentado basicamente na sua estrutura latifundiária. Essa essência republicana convivia intimamente com seus capitães e coronéis. Era mais de 70 nomes do Partido Republicano Rio Grandense dos distritos rurais, com a sede na povoação, agrupados no Centro Republicano em 1909.

    Na ordem ou na desordem, nas concessões fraudulentas, no livre transito, nas melhorias na igreja, nas pontes ou nas estradas ou posses legais ou não de terras, passavam pelas bênçãos do poder local. As manifestações da política regional, o cotidiano da vida social e política entranhavam no modo de viver da maioria das pessoas. Tínhamos o subintendente e o subdelegado, chefes maiores da organização distrital e que representavam o último contato entre o povo e o eleitorado.

    A povoação da Quinta crescia neste emaranhado de jogos de poder. Passava aos poucos a ser o contato inicial, o entorno das ações políticas, centralizada pela sua posição geográfica. Nossos chefes locais tinham suas origens na monarquia e na escravatura. Pequenos estancieiros ou grandes latifundiários, não importava, tinham em sua base econômica as atividades ligadas á pecuária.
    Fiéis aos seus princípios inauguram a Sociedade e Instrução e Recreio da Quinta em 1903. Queriam um clube que dispusesse de recreação, cultura e divertimento para a elite quintense. Em 1906, surge o jornal O Gaùcho, dedicado aos interesses dos moradores da campanha. Durou até 1909. Antes disso em 1892, em frente a Estação, surgia a Fábrica de Pentes e Barbatanas, uma espécie de pioneirismo industrial no interior de Rio Grande.

    No inicio dos anos de 1900, já funcionava a empresa de transportes de Quintino Machado e Manuel Cunha, que instituíram linhas regulares de três vezes ao mês ligando Quinta/Taim/Santa Vitória do Palmar, com sua diligência puxada com cavalos.

    Em 31 de dezembro de 1909, foi criado o 5º distrito com o nome de Julio de Castilhos pelo então Intendente municipal, Dr. Trajano Augusto Lopes.
    Respirava-se certo orgulho e a indispensável sensação que o melhor que havia fora do centro do município, estava no novo distrito, desmembrado do Povo Novo. O trem só não circulava com passageiros ou produtos, como era o único meio de transportes de longo curso terrestre. Circulavam também idéias e conhecimentos com uma rapidez estupenda quando comparadas as informações vindas pelos emissários a cavalo do tempo distante.

    Com a oficialização e a criação jurídica do distrito, surgiu o Cartório distrital (1910) a Igreja da Penha (1912), a Escola Agrícola com os padres Josefinos (Ordem de São Jose de Murialdo) em 1915, diminutos hotéis, expansão do comércio atacadista, cooperativas de cebola e os encantos dos bailes de negros.
    O nome de Julio da Castilhos fora suprimido em 1916, mas somente em 1938 ficou oficializado o nome Vila da Quinta, o 5º distrito de Rio Grande.

A janela da alma - e do onibus

A Janela da Alma - e do ônibus


     Um belo documentário, assinado por João Jardim e Walter Carvalho, “Janela da Alma” trás um tema interessante quanto o que podemos entender sobre a deficiência visual e suas relações estabelecidas no modo de viver das pessoas. Eles entrevistaram artistas, intelectuais e pessoas ditas comuns da Europa e do Brasil recorreram à filosofia, à medicina, à biologia, à música e à literatura para investigar o que é a visão. Vários depoimentos de personagens com deficiência visuais ligados à área cultural, como Hermeto Pascoal, Eugen Bavcar, fotografo e filósofo, as cineastas Marjut Rimminem e Agnés Varda e o depoimento do José Saramago. Saramago comenta sobre o que se entende por cegueira ou das coisas que não queremos enxergar. O Romeu que fala a História se tivesse os olhos de um falcão ou de uma águia, não se apaixonaria pela bela Julieta. Uma pele que não seria agradável de ver, pois olhos da águia e do falcão veem muito além da capacidade do olhar humano.

    Assim é a questão das mudanças no transporte coletivo na cidade. A propaganda, sempre com o perfil de “grandes inovações” cita a cidade pioneira na integração entre as linhas de ônibus. Mas a pergunta que não se discutiu é se realmente a cidade precisava deste modelo de gestão? Alternativas foram discutidas? Qual a participação das empresas concessionárias na elaboração do projeto? Fica novamente a insistência da Prefeitura de leituras desconexas em relação ao “modus operandis”, solitária em seu gueto caduco de ‘fortes ações’, mas em constantes desgastes pela incapacidade de dialogo.

    As estações de transbordos não são de todo um mal, mas faltou propor um relacionamento com a comunidade, nem foi proposto antecipadamente medidas explicativas, também faltou agentes que estivessem nas rotas de mudanças, mas isto pode ser até justificável pela inabilidade de lidar com proposições afirmativas de uma cidade em constantes mudanças, quando nem as próprias estações estavam com condições de uso no dia da inauguração.

    As reações adversas e seus manifestos, explicações e justificativas, mas ainda não se ouviu nada sobre as benesses dos custos operacionais que as empresas serão beneficiadas ou alguém duvida que a diminuição de linhas e horários vá haver uma economia básica com a redução de mão de obra, equipamentos e insumos? Mas a mudança vai melhorar a vida de quem mesmo?

    As metáforas e o encanto poético de Saramago vão mais além, propõem que Deus não fez nossos olhos para ver a realidade, pois se assim fosse, estaríamos perdidos. Nossos olhos veem coisas, nem de mais nem de menos, mas um olhar mais atento do espaço que nos cerca não é alentador, é uma janela do desencanto enfadonho das incertezas.